Data: 09 de janeiro de 2013
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Câmara dos Deputados, realizou uma audiência pública para discutir a situação atual da nanotecnologia no Brasil, no dia 13 de dezembro. O objetivo foi conhecer as pesquisas na área, o que se produz para o mercado nacional e os possíveis danos ambientais e à saúde humana.
Cerca de 150 empresas estão envolvidas com projetos e desenvolvimento de produtos em nanotecnologia no Brasil, interagindo com o setor acadêmico. A maioria faz parte da indústria química, com destaque para as petroquímicas e a área de cosméticos. O dado foi apresentado pelo economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Thomaz Ferreira Jensen, durante o evento.
A questão da nanotecnologia é bastante preocupante, segundo a química e pesquisadora da Fundacentro, Arline Arcuri, uma das expositoras da audiência. A redução do tamanho dos materiais em nanoescala aumenta a relação entre superfície e volume das partículas, que se tornam muito mais reativas. Também se modificam as propriedades e características das mesmas.
“Falta conhecimento sobre o que se pode causar no organismo humano, mas se sabe que partículas ultrafinas migram e atingem vários tecidos”, explica Arline. Os mecanismos de higiene ocupacional conhecidos podem não ser suficientes para proteger os trabalhadores.
Diante desse quadro, a pesquisadora defende o princípio da precaução. “Queremos que a nanotecnologia se desenvolva junto com cuidados com o meio ambiente e o ser humano”, afirma. A Fundacentro tem um projeto, com participação de várias instituições, para avaliar os impactos da nanotecnologia sobre a saúde do trabalhador e o meio ambiente e propor medidas de controle.
Ações
Por meio desse projeto, realizam-se ações de capacitação de trabalhadores e profissionais de Segurança e Saúde no Trabalho. Já foram produzidos dois gibis: “Nanotecnologia – O Transporte para um Novo Universo” e “Nanotecnologias – Maravilhas e Incertezas no Universo da Química”, ambos disponíveis no site da entidade (www.fundacentro.gov.br). Novas publicações estão sendo elaboradas, uma para a área da construção civil e outra para o setor agrícola. A ideia é abordar a questão da nanotecnologia em diversos ramos de atividade.
Os materiais produzidos pela Fundacentro têm sido utilizados pelo movimento sindical. O setor químico do Estado de São Paulo, por exemplo, conta com uma recomendação para que o tema nanotecnologia seja tratado na Sipat (Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho) das empresas.
“Era muito importante qualificar os trabalhadores e atender às demandas das Sipats. Para isso, foi muito importante o grupo de trabalho liderado pela Fundacentro, do qual o Dieese faz parte. Usamos muito a história em quadrinhos sobre nanotecnologia na indústria química”, relata Thomaz Jensen, economista do Dieese.
Outra importante conquista foi alcançada com a indústria farmacêutica de São Paulo. Após três anos de negociação, os trabalhadores conseguiram inserir uma cláusula sobre nanotecnologia na convenção coletiva da categoria, em abril de 2012. A expectativa para 2013 é estender essa conquista para todo o setor químico do Estado. “A nosso ver, o espírito da cláusula é o que defendíamos no início: o direito à informação e o foco da ação sindical no local de trabalho”, avalia Jensen.
Assim, as empresas devem informar a utilização de nanotecnologia no processo industrial aos membros da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e do Sesmt (Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho). Os trabalhadores devem ser informados sobre riscos existentes à sua saúde e as medidas de proteção a adotar.
Política
Outra questão a ser considerada é como estão sendo aplicados os recursos públicos em relação à nanotecnologia. “A aplicação tem caráter político”, acredita Paulo Martins, coordenador da Renanosoma – Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente.
Para Martins, é preciso levar em conta as reflexões da sociedade. “é possível que a ciência e tecnologia possam contribuir para combater a desigualdade, mas não com a atual distribuição dos recursos públicos em nanotecnologia, que deve ser mais equitativa”, completa.
A falta de legislação sobre o tema também preocupa, e a elaboração é dificultada pelas incertezas relacionadas à nanotecnologia. “Existe uma falta de harmonização metodológica para discutir nanotecnologia. Não temos uma metodologia que nos diga se essas nanopartículas são perigosas ou se aquelas não são. Isso, em termos de criação de marcos legais, é um problema”, explica Wilson Engellmann, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, do Rio Grande do Sul.
O professor, no entanto, alerta que, apesar de não existir um marco regulatório, isso não significa que cada um pode fazer o que quiser. “Temos um conjunto normativo que, embora não diretamente aplicado às nanotecnologias, podemos extrair um arcabouço normativo. Há uma série de normas internacionais e de agências reguladoras brasileiras como a Anvisa”, afirma Engellmann, que também é membro do GT de Marco Regulatório. O Grupo faz parte do Fórum de Competitividade de Nanotecnologia, uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Referências
Wilson Engellmann citou cinco documentos da ISO durante sua apresentação na audiência pública. O primeiro deles é ISO/TR 12885:2008, “Nanotecnologias – Práticas relevantes em saúde e segurança no ambiente de trabalho para as nanotecnologias”.
O tema “Nanotecnologias – Gerenciamento do risco ocupacional aplicado a nanomateriais” aparece em dois textos. A parte 1, ISO/TS 12901-1:2012, fala de “princípios e abordagens”. A segunda, ISO/DTS 12901-2, abrange “abordagens para o uso do controle em escalas”.
Já a ISO/TR 13014:2012 trata de “Nanotecnologias – Orientação sobre caracterização físico-química de engenharia de materiais em nanoescala para avaliação toxicológica”. Por fim, a ISO/TR 13121:2011 aborda “Nanotecnologias – Avaliação de risco de nanomaterial”.
O especialista em direito ainda destacou o artigo 931 do Novo Código Civil, que trata da responsabilidade objetiva das empresas, que respondem pelos danos causados por seus produtos independentemente de culpa. “Exige a gestão do risco e vê a possibilidade de lesão. Pode ser aplicado a nanotecnologia”, diz Engellmann. A lei sobre resíduo sólido e o artigo que fala sobre resíduos perigosos também foram citados.
é necessário identificar os níveis de exposição suportáveis durante a jornada de trabalho, assim como conhecer todo o ciclo de vida dos nanomateriais. “Tentamos descobrir o caminho da precaução, paralelamente ao desenvolvimento da indústria e tecnologia, com o controle responsável dos seus efeitos”, conclui o professor.
Fonte: Renasoma