Segundo dados da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, em 2016 foram concedidas 128.178 mil licenças médicas a professores dos Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio (PEB II), totalizando 2.901.529 dias de afastamento. Os números representam queda de 14% no afastamento de educadores nos últimos dois anos, mas refletem a sobrecarga a que são submetidos os professores. E certamente trazem consequências para a aprendizagem dos alunos.
A professora de ciências Kelly Morgani, afastada das salas de aula de escola estadual na periferia de Sorocaba (SP), após sucessivos problemas de saúde, materializa o problema: “Não sei o que fazer. Estou presa num vácuo”, resume a docente, que se vê num impasse. Ela acredita na docência como o caminho fundamental para formar melhores cidadãos, mas se sente empurrada para fora da escola pelas condições de trabalho e o impacto direto na própria saúde.
Kelly planejava ser pesquisadora, mas descobriu que poderia fazer a diferença dando aula de ciências. Hoje, ela culpa os episódios de violência e a redução do quadro de profissionais de apoio ao professor (como coordenadores pedagógicos e mediadores de conflito) na escola em que atua pelo desencadeamento de enfermidades como gastrite hemorrágica, pressão alta, depressão e síndrome do pânico, doenças que a fazem pensar em abandonar a carreira.
Infelizmente, tal quadro não é exclusivo da rede pública de São Paulo. O adoecimento de docentes está relacionado às más condições de trabalho em redes públicas de todo Brasil. Apenas 2% das escolas brasileiras que atendem alunos mais pobres contam com todos os itens de infraestrutura previstos no Plano Nacional de Educação (PNE), frente a 70% das que atendem os mais ricos. Ou seja, os professores que lidam com as situações socioeconômicas mais desafiadoras são os que possuem menos recursos.
O número de alunos por classe é outro fator que impacta nesse quadro negativo: diante de turmas muito grandes, a energia empregada para manter o controle é grande. Segundo informação da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis 2013), os docentes brasileiros gastam um terço da aula lidando com indisciplina. Kelly está entre eles. “Na minha escola, a gente tem de dar aula com um barulho incrível, já que há uma média de 40 a 45 alunos por sala. Temos adolescentes brigando ou se drogando e outros gritando no pátio enquanto estão com aula vaga”, argumenta a docente, que alerta para a impossibilidade de garantir a aprendizagem em um espaço que não favorece a concentração.
Essa realidade não é despercebida pelos alunos. Conforme eles apontam na Pesquisa Repensar o Ensino Médio, do Todos Pela Educação, a segurança dentro da escola e a infraestrutura escolar são duas das maiores preocupações da juventude no Ensino Médio. “Os conflitos são naturais quando se trabalha com jovens, especialmente os de regiões mais pobres. O problema é a falta de estrutura da escola e a ausência de coordenadores e mediadores para dar orientação e fazer a ponte com a família”, avalia Kelly.
Esses fatores combinados a grandes jornadas de trabalho e à falta de valorização social e salarial docentes aprofundam conflitos e potencializam os desgastes físicos e emocionais que, invariavelmente, acompanham a vida docente. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, as principais doenças que acometem os professores da rede paulista são transtornos mentais e comportamentais, enfermidades que poderiam ser minimizadas por políticas públicas transversais e multidisciplinares.
Vejamos apenas algumas iniciativas nesse sentido. A ampliação de profissionais de apoio, como apontado anteriormente, ajudaria a diluir o peso das responsabilidades dos docentes em sala de aula. A formação continuada, quando feita com qualidade, poderia dotar os professores de estratégias para evitar a sobrecarga do aparelho vocal. Também é preciso ressaltar a necessidade de diminuir o número de alunos por classe, o que resultaria em maior atenção do professor a cada estudante.
A professora Kelly acrescenta alguns tópicos que precisam avançar para que os professores tenham um cotidiano menos estressante em seus ambientes do trabalho: acompanhamento pedagógico do professor por mais profissionais de apoio, recursos e apoio à alimentação do professor e maior acompanhamento da saúde docente.
(Fonte: O Globo)