Escondida nas estatísticas oficiais do país, a doença da folha verde deve finalmente ganhar maior visibilidade. A adoção de um protocolo de vigilância em saúde do trabalhador da fumicultura pretende identificar enfermidades e problemas específicos de quem planta. O projeto, realizado por Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Ministério da Saúde, está em fase final de edição, com lançamento previsto para os próximos meses.
Hoje, o mal-estar passa despercebido pelo sistema de saúde, sendo muitas vezes considerado intoxicação exógena por agrotóxico em razão dos sintomas parecidos, como náusea e dor de cabeça. Falta uma categoria específica para a intoxicação pela folha no Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Sem conseguir mensurar o número de agricultores afetados, não há como estabelecer comparações e identificar as localidades que necessitam de mais atenção. Longe de ser uma situação exclusiva do Brasil, o problema é comum nos países produtores de tabaco, a maior parte pobre ou em desenvolvimento. O tema foi discutido na 8ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP8), promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na primeira semana de outubro em Genebra, na Suíça.
Para se ter uma ideia da discrepância dos dados do Ministério da Saúde, de 2007 a 2017, o Rio Grande do Sul registrou 134 casos de intoxicações exógenas entre agricultores de tabaco. Apenas em 2018, foram 50 ocorrências. Ou seja, em menos de 12 meses, o número representa quase 40% do verificado na soma de 11 anos. O universo é de 74.360 produtores no Estado, segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra)
– Seria importante ter números consolidados sobre a incidência da folha verde para saber a efetividade das ações que estão sendo colocadas em prática – considera Marco Dornelles, vice-presidente da Afubra.
A situação pode ser explicada pela maior procura por ajuda médica ou melhora no atendimento que, ainda assim, é considerado falho.
– Nem sempre se pergunta a ocupação do paciente. Assim, o profissional da saúde não relaciona a atividade no campo à enfermidade, situação que se busca reverter agora – afirma Élem Sampaio, substituta da Coordenação Geral da Saúde do Trabalhador do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Ministério da Saúde.
As doenças e os agravos dependem da captação no sistema. Élem esclarece que os dados da série histórica não são comparáveis porque muitos casos podem não ter sido detectados.
– É fundamental perguntar o que o trabalhador estava fazendo no momento em que se sentiu mal. Permite fazer diagnóstico clínico e epidemiológico – reforça a médica Adriana Skamvetsakis, do Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador na Região dos Vales (Cerest-Vales), em Santa Cruz do Sul.
Agricultores devem notificar ocorrências
O centro, localizado em Santa Cruz do Sul, participa diretamente da formulação do protocolo do Ministério da Saúde, e já promoveu ações educativas para os trabalhadores da região, assim como os Cerests de Rio do Oeste (SC), Palmeira (PR) e Arapiraca (AL). As localidades foram escolhidas para avaliarem o projeto piloto pela representatividade de produção e do número de ocorrências.
O primeiro passo para a inserção da doença no Sinan é a revisão da lista de doenças relacionadas ao trabalho com a perspectiva da inserção deste agravo. Após a inserção na lista, poderá ser avaliado, a possibilidade de inclusão no sistema a partir de critérios epidemiológicos e impactos na saúde pública.
Segundo a farmacologista Silvana Rubano Turci, pesquisadora da Fiocruz, que participa da elaboração do projeto, há um fator fundamental para conhecer a saúde do que quem planta tabaco: é preciso que o agricultor notifique o posto de saúde se tiver uma ocorrência.
A situação já foi vivenciada pelo agricultor Ismael Bastos Gomes, 34 anos, de Vera Cruz, na juventude. Como conhecia os sintomas da doença da folha verde e receitas caseiras que auxiliavam no tratamento, não foi ao posto de saúde. Ele admite que o problema foi resultado do excesso de confiança.
– Tinha trabalhado em uma colheita e, como não tinha acontecido nada, não me preocupava com vestimenta. A imprudência me fez ficar ruim, tive enjoo e dor de cabeça – conta Gomes, que hoje utiliza o equipamento adequado.
Como será o protocolo do Ministério da Saúde
O que é: manual com ações de prevenção, proteção, promoção e assistência com vistas a atenção integral à saúde dos trabalhadores da fumicultura.
O que envolve: aborda a doença da folha verde do tabaco e outros danos mais prevalentes entre os trabalhadores da agricultura, tais como intoxicação por agrotóxico, transtornos mentais relacionados ao trabalho, distúrbios osteomusculares e acidentes por animais peçonhentos.
Atividade mais sensível a doenças e enfermidades
O perfil das propriedades, geralmente de produtores ligados à agricultura familiar, traz maiores desafios para a saúde de quem lida no dia a dia no cultivo de fumo. O bem-estar do trabalhador foi um dos temas tratados na 8ª Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP8), da Organização Mundial da Saúde (OMS).
– Além da doença da folha verde, o agricultor tem exposição a químicos, mais do que em outras lavouras pela aplicação mais direta – afirma Stella Bialous, porta-voz da COP e professora do Departamento de Ciências Sociais e Comportamentais da Faculdade de Enfermagem da Universidade da Califórnia, em São Francisco, nos Estados Unidos.
A porta-voz detalha que, por serem pequenos produtores, quase não há máquinas para utilização de insumos, plantio e colheita:
– Nas grandes lavouras, a aplicação é por avião. Na pequena, o galão de pesticida está ali, próxima do produtor e com maior risco de poluir o solo e a água. E temos de cuidar da saúde do agricultor – reforça Stella.
O presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke, concorda que o trabalho é mais manual nas pequenas propriedades. Mas ressalta que os agricultores utilizam químicos também em outros cultivos, já que a maior parte deles diversifica a produção. Além disso, ressalta, a evolução dessas substâncias possibilitou a redução da quantidade aplicada e muitos estão adotando controle biológico e manejo integrado de pragas.
O dirigente ressalta que as campanhas de conscientização aumentam a percepção dos produtores sobre a importância da segurança no campo, inclusive na proteção contra a doença da folha verde.
– Contratamos especialista para desenvolver um equipamento de proteção individual (EPI) específico. Após, solicitamos estudo de avaliação para a vestimenta, onde foi constatada 98% de eficiência. Depois, treinamos os orientadores agrícolas das empresas, que repassaram as informações e material sobre os cuidados aos agricultores – detalha Schünke.
A Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) promove o Projeto Verde é Vida. Segundo Marco Dornelles, vice-presidente da associação, as informações são repassadas, mas não há como obrigar os trabalhadores a utilizarem a vestimenta de colheita e EPI:
– É uma questão cultural, que está mudando. As pessoas mais velhas são as que têm mais dificuldade em utilizar os instrumentos de proteção.
A chefe do secretariado da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, Vera Costa e Silva, discorda e critica a relação da indústria com os produtores integrados:
– A COP não é contra o plantador de fumo, quem é contra é a indústria, que não o protege das doenças relacionadas ao cultivo, à coleta e ao processamento de tabaco.
Doença da folha verde
O que é: a doença da folha verde do tabaco é uma intoxicação de nicotina que ocorre, geralmente, durante a colheita das folhas. O suor do agricultor, o orvalho e a chuva facilitam o contato da substância com a pele.
Sintomas: causa dores de cabeça, tontura, náuseas e cólica. Dura alguns dias e pode afetar a mesma pessoa repetidas vezes. Pesquisadores ainda avaliam a possibilidade de o problema provocar, a longo prazo, câncer e doenças cardiovasculares, assim como o cigarro.
Como detectar a doença
Por diagnóstico clínico
– O profissional de saúde deve perguntar o que o paciente estava fazendo no momento em que se sentiu mal.
Por exame de cotinina
– A solicitação do exame ocorre quando há dúvida sobre a causa dos sintomas – como quando o trabalhador teve exposição concomitante à folha do tabaco e ao agrotóxico, por exemplo.
– É realizada análise da quantidade de cotinina, metabólico da nicotina.
– O exame é analisado no Laboratório Central de Saúde do Rio Grande do Sul (Lacen), que atende o sistema público.
Como se prevenir da doença
Intoxicação exógena, incluindo pela folha verde:
– Utilizar equipamentos de proteção individual.
– Não trabalhar com a planta ou roupas molhadas.
– Evitar trabalhar nos horários de umidade elevada (orvalho e chuvas) ou sob sol forte.
– Higienizar as mãos durante o trabalho. Isso pode ajudar a diminuir a absorção da nicotina.
Acidentes com animais peçonhentos
– Usar botas de cano alto ou perneira, botinas e sapatos
– Utilizar calçados e luvas de raspas de couro para mexer em folhas secas e lixo, lenha e palhas (cerca de 15% das picadas são nas mãos ou antebraços).
– Não colocar as mãos em buracos.
– Sacudir roupas e sapatos antes de usá-los, pois bichos podem se esconder neles.
Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT)
– Evitar longas e intensas jornadas de trabalho durante a colheita.
– Fazer pausas de descanso entre as atividades e observar o peso dos equipamentos e produtos para que não carregar carga excessiva, provocando desgaste físico.
(Fonte: GaúchaZH)