A severa crise econômica enfrentada pelo Brasil nos últimos anos foi apontada como uma das causas do aumento de transtornos mentais por médicos, profissionais afetados por essas doenças, representantes do governo e dos planos de saúde entrevistados pela reportagem.
“Atendemos um número crescente de pessoas que se sentem pressionadas. Por medo de perder o trabalho, foram acumulando mais funções”, diz a psicóloga Mariângela Savoia, do ambulatório de ansiedade do Hospital das Clínicas (HC), da USP.
O consultor Reynaldo Saad relata que a recessão contribuiu muito para que ele tivesse uma reação grave ao estresse —a chamada síndrome de burnout.
“Com a crise, as metas no trabalho se tornaram mais agressivas. Isso aumentou a pressão no emprego. Acho que a ansiedade no país como um todo também contribuiu para quadros como o meu”, diz ele, que começou a sentir os sintomas da doença há quatro anos.
“A gente sai na rua e ouve gente reclamando. No escritório também. O ambiente se tornou perverso”, afirma Saad.
À pressão no trabalho —com jornadas de 14 a 15 horas por dia— ele diz que se somaram problemas pessoais, como uma separação conjugal.
A recessão também contribuiu para o quadro depressivo desenvolvido pelo empresário N.F., que pediu anonimato. A crise tornou impossível o cumprimento da meta de retorno em três anos de um empreendimento imobiliário da família cujo comando ele assumiu em Minas Gerais.
“Com a crise, os negócios diminuíram. Todo o mundo virou concorrente de todo mundo. Nada saiu conforme nosso planejamento”, diz N.F, que hoje tem uma clínica especializada em medicina alternativa em São Paulo.
Tanto N.F. quanto Saad relatam que a dificuldade em lidar com os sintomas iniciais, antes do diagnóstico, o levou ao abuso no consumo de álcool, o que acentuou o problema.
O excesso de exposição às novas mídias digitais também é citado como fonte de aumento dos transtornos mentais.
“Houve uma explosão de empresas nos pedindo assistência por causa do adoecimento mental de seus funcionários. Isso está muito relacionado à conexão remota ao trabalho”, diz a advogada Letícia Ribeiro, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe.
Entre os casos que ela acompanhou recentemente estão os de um executivo que entrou com licença médica por causa de um colapso psicológico e de uma empresa que precisou suspender um desligamento após o funcionário ser diagnosticado com transtorno de ansiedade no exame demissional.
Segundo especialistas, esse quadro ajuda a explicar uma mudança no perfil das enfermidades que geram maior incapacitação.
Até 2012, os episódios depressivos lideravam as concessões de auxílio-doença acidentário concedidos pelo INSS por doenças mentais e comportamentais. Em 2013, os afastamentos por reação ao estresse grave e transtornos de adaptação tomaram a dianteira. E, no ano passado, a depressão foi ultrapassada pela ansiedade.
“A sensação de disponibilidade quase 100% do tempo gera uma enorme ansiedade”, diz Letícia.
Brunca afirma que, além de associada à crise e ao estresse provocado pelo uso excessivo de tecnologia, a mudança de perfil das doenças também é fruto de diagnósticos mais precisos.
Segundo ele, isso é consequência do esforço das empresas para a prevenção de doenças desde que a legislação passou, em 2009, a punir os empregadores com número de doenças do trabalho acima da média do seu setor e premiar as com desempenho melhor.
No entanto, para especialistas, o Brasil apresenta atraso nas medidas para prevenir o avanço dos transtornos mentais. Isso talvez ajude a explicar por que o país tem uma das maiores incidências mundiais de doenças desse tipo.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2015 o Brasil tinha a maior taxa de ansiedade do mundo (atingindo 9,3% da população) e o quarto nível mais alto de depressão (5,8%).
“Nossas políticas têm sido muito mais reativas do que preventivas. Em alguns países desenvolvidos, ações como estímulo à terapia cognitiva comportamental, criação de salas para ioga e meditação nas empresas têm gerado bons resultados”, diz a cardiologista Ana Inês Bronchtein, vice-presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj).
Segundo ela, o retorno de investir em prevenção é enorme, já que as empresas não perdem apenas quando o profissional precisa ser afastado, mas já bem antes, quando os sintomas iniciais reduzem sua produtividade.
A multiplicidade de sintomas envolvidos nos quadros de transtornos mentais é um dos fatores que podem atrasar o diagnóstico, levando, no meio-tempo, à piora do paciente.
A dermatologista Inaê Cavalcanti Machado conta que tem identificado muitos casos de síndrome de burnout em pacientes que a procuram para tratar queda de cabelo ou manchas na pele. Por isso, segundo ela, é importante que os médicos estejam atentos ao conjunto de sinais que podem denotar distúrbios psicológicos.
“O burnout é uma síndrome, que envolve a exaustão e a dificuldade em perceber a realidade e a enxergar as pessoas ao redor”, diz Inaê.
O gatilho desse quadro, explica a médica, é detonado por algum fator no ambiente de trabalho.
Segundo ela, além do diagnóstico adequado, o afastamento temporário das atividades laborais muitas vezes é crucial para a recuperação do paciente.
(Fonte: Folha de S. Paulo)