A capital teve em 2018 mais de 22 mil afastamentos por transtornos mentais entre professores e demais servidores da Secretaria Municipal da Educação.
Estresse, depressão, ansiedade e síndrome do pânico estão entre os problemas psiquiátricos que levaram à concessão de 62 licenças, por dia, em média, entre educadores da gestão Bruno Covas (PSDB).
Os números fazem parte de um levantamento exclusivo obtido via Lei de Acesso à Informação. No levantamento não constam faltas de um dia, por exemplo.
Como comparativo, também no ano passado, a Polícia Militar concedeu dois afastamentos por transtornos mentais ao dia, em média, no estado.
Tanto a Educação municipal quanto a corporação policial têm tamanhos semelhantes –ambas com aproximadamente 82 mil integrantes cada e é a determinação médica que define os afastamentos nos dois casos.
Segundo especialistas, os afastamentos dessa natureza são, geralmente, de longa duração, quando é necessário, inclusive, o aval de peritos da Cogess (Coordenação de Saúde do Servidor), responsável por validar as licenças (veja as regras abaixo). E nem sempre os trabalhadores retornam para as funções de origem, mas acabam readaptados –exercem outros cargos, não mais em sala de aula, por exemplo.
Os transtornos mentais podem levar tanto às explosões em sala de aula quanto à “implosão” do indivíduo, como o ocorrido neste mês com uma professora de uma escola estadual em Carapicuíba (Grande SP), onde alunos acabaram apreendidos por ofenderem a educadora e atirarem, entre outros, carteiras.
“Eu tinha uma jornada excessiva. Muitas aulas. Três períodos direto. Um dia acordei travado na cama e não consegui ir para o trabalho”, diz um professor de 42 anos, desde 2002 na rede pública municipal. Ele sofria uma depressão profunda.
“Como o salário é muito baixo, fui assumindo mais aulas para complementar a renda. E as condições precárias desse trabalho, principalmente em salas lotadas e com problemas de indisciplina, colaboraram para o agravamento”, afirma.
O educador sentiu também no bolso os efeitos da depressão. “Toda a família sofreu com a queda da renda. Eu me exonerei de um cargo da prefeitura e pedi demissão da escola particular. Foi um transtorno”, diz.
Hoje, o professor está readaptado. “Tenho um cargo na prefeitura, durante apenas um período”, diz.
Sem encanto
“Eu conseguia encantar os alunos e agora eu não me encanto”. É assim que uma professora de 48 anos, afastada das salas e em readaptação, descreve a situação que vive há dois anos.
Com síndrome do pânico e depressão, a educadora está medicada e em tratamento psiquiátrico particular. Ela se recorda até hoje de quando se viu obrigada a buscar ajuda. “Eu cheguei à escola chorando e minha diretora disse ‘você não tem culpa e deve tirar a licença, porque não está em condições de assumir uma sala'”, afirma.
A professora já tinha notado alguns sinais de que algo não estava bem. “Gaguejar numa sala de aula, ter pavor de aluno, não querer que uma criança de quatro anos te abrace. Isso não é normal. A voz doía na alma”, afirma.
A professora diz que há anos a educação pública vive um processo de difamação e que a desvalorização influencia todo o processo de transtorno mental. “Sempre colocam que o professor é mal preparado, quando nós temos que estudar todos os dias”, afirma.
A falta de apoio nas famílias também choca a professora. “Quando chamava os pais para conversar, eles faziam muita chacota. ‘Ah, eu morri de rir do seu bilhete’. Fiquei irritada, porque o bilhete dizia que o neto da pessoa tinha batido em um coleguinha”, diz. “É uma paixão minha. Nasci querendo ser professora, a profissão que liberta um povo maltratado pelo governo.”
Alarme
A presidente da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), Márcia Bandini, diz que o levantamento desperta preocupação. O fato de quase a totalidade das doenças mentais diagnosticadas serem relacionadas com transtornos do humor ou ao estresse são agravantes.
“Os números são alarmantes e estão alinhados com a realidade que a gente observa por meio de relatos, notícias de violência, desvalorização e precarização. É uma categoria que está ameaçada”, fala.
Segundo a médica, a precarização do trabalho afeta diretamente categorias como a dos professores, pelo “comprometimento quase vocacional” com o serviço.
Para Márcia, o cenário de pobreza, desnutrição e violência doméstica exposto aos professores nas salas de aula é um agravante. “Tem uma situação de violência na própria escola. É um ciclo perverso de adoecimento mental. O professor quer fazer bem feito, não consegue e encontra situações desafiadoras, contra as quais não tem condição de reagir.”
A especialista fala que o presente também não colabora com a saúde mental dos professores. “O Brasil meio que perdeu a estratégia de desenvolvimento da educação. Um terreno frágil se torna ainda mais pantonoso com corte de verbas e mais condena o professor do que o incentiva”, diz.
Conflitos
“Todos os conflitos familiares e sociais explodem na escola. E é ali que a criança e o jovem serão pressionados”, afirma o professor de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Nelson Fragoso.
Para Fragoso, a pressão é muito grande, mas o professor precisa separar a vida profissional da pessoal e não tomar para si todos problemas. “Não sou eu a pessoa que estão confrontando, mas um sistema que eles [alunos] não aprenderam, não conhecem e repudiam. Repudiam porque é diferente do que aprendem em casa ou no bairro onde vivem”, diz.
O especialista do Mackenzie lembra que o professor precisa entender o seu papel à frente de uma sala de aula. “Não sou o ‘tio’, mas posso ser o mentor para ajudar a crescer, se desenvolver na vida, apesar de o mundo onde nasceu não ser legal”, diz.
Sobre quem já sente a sobrecarga, Fragoso dá uma orientação. “Se você não está bem, é preciso se cuidar. Volta e atua legal com esse pessoal. Ser professor não é fácil e não é para todo mundo”, afirma.
Resposta
A prefeitura, sob gestão Bruno Covas (PSDB), diz que a Secretaria de Gestão constituiu um grupo de trabalho intersecretarial para discutir causas e soluções para diminuição de afastamentos.
“Em comparação entre 2017 e 2018, o índice caiu de 7,31% para 6,09%, representando economia de R$ 101.857.339,00”, afirma, em nota.
A gestão diz entender a natureza do trabalho do professor e seus desafios, “especialmente quanto ao contato direto com crianças e adolescentes”. Segundo a prefeitura, é por isso que a Cogess faz encontros com diretores de escola, programas de promoção à saúde, e de orientação aos readaptados.
(Fonte: São Paulo Agora)