O Instituto Butantan criou uma nova candidata a vacina contra a Covid-19, totalmente nacional, e pedirá autorização para ensaios clínicos com seres humanos à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nesta sexta (26).
A pandemia já matou mais de 300 mil brasileiros. O Butantan é o maior produtor de vacinas do país e já fornece a Coronavac, fármaco de origem chinesa mais disponível hoje no Brasil.
O imunizante se chama Butanvac e foi desenvolvido pelo instituto, que lidera um consórcio internacional do qual ele é o principal produtor — 85% da capacidade total de fornecimento da vacina, se ela funcionar, sairá do órgão do governo paulista.
O diretor do Butantan, Dimas Covas, disse à Folha ser possível encerrar todos os testes da vacina e ter 40 milhões de doses prontas antes do fim do ano. Nesta manhã, ele disse que é possível ter os ensaios prontos em apenas três meses.
“É uma segunda geração de vacina contra a Covid-19, pode haver uma análise mais rápida”, afirmou.
“Um grande avanço da ciência brasileira a serviço da vida”, afirmou à reportagem o governador paulista, João Doria (PSDB).
“Fizemos todos os enfrentamentos desde abril do ano passado para colocar a vacina no braço dos brasileiros. E hoje temos a oportunidade de apresentar uma nova vacina. Esperamos poder oferecê-la a partir de julho. A Butanvac é uma resposta aos negacionistas”, disse Doria em entrevista coletiva nesta sexta.
Há pelo menos outros sete estudos de imunizantes no Brasil, todos na fase anterior aos ensaios clínicos.
O pedido de autorização se refere às fases 1 e 2 de testes da vacina, nas quais serão avaliadas segurança e capacidade de promover resposta imune com 1.800 voluntários. Na fase 3, com até 9.000 indivíduos, é estipulada sua eficácia.
Doria, que mostrou uma caixa do novo imunizante, cobrou rapidez da Anvisa, com quem já teve altercações em outros momentos da crise sanitária. “Senso de urgência é senso de respeito aos mortos”, disse.
A Butanvac, que começou a ser testada em 27 de março do ano passado, já passou pelos testes pré-clínicos, nos quais são avaliados em animais efeitos positivos e toxicidade.
Segundo Covas, eles foram promissores e indicaram que ela provoca alta resposta imune. “Isso significa necessidade de menos doses”, disse. Há lotes prontos do imunizante para os ensaios.
Como a Butanvac utiliza uma tecnologia já usada amplamente no próprio Butantan para fabricar a vacina anual contra a gripe comum, Covas crê que isso será um fator a mais para acelerar seu desenvolvimento.
As vacinas que foram desenvolvidas mais rapidamente contra a Covid-19 no mundo demoraram menos de seis meses para completar suas fases 1 e 2. “Mas elas eram totalmente novas”, pondera Covas.
A vacina será testada nos dois outros países participantes do consórcio, Vietnã e Tailândia — neste último, a fase 1 já começou. Segundo o diretor do Butantan, a prioridade é fornecimento de imunizantes para o Brasil e para países mais pobres.
A tecnologia em questão utiliza o vírus inativado de uma gripe aviária, chamada doença de Newcastle, como vetor para transportar para o corpo do paciente a proteína S (de spike, espícula) integral do Sars-CoV-2.
A proteína é responsável pela ligação entre o vírus e as células humanas, e ao ser inserida sozinha no corpo estimula a resposta imune. Segundo Covas, ela já utilizará a proteína da variante amazônica, a P.1, mais transmissível e possivelmente mais letal.
Outra vantagem prevista, se o fármaco funcionar, é de escala e de independência. O seu vetor é criado dentro de ovos embrionados, o que aumenta bastante a rapidez de sua produção, e não há necessidade de nenhum insumo importado.
Hoje, tanto a Coronavac (Butantan) quanto a vacina de Oxford (Fiocruz) são formuladas e envasadas no Brasil com insumos vindo da China. A partir do segundo semestre, o órgão paulista prevê a fabricação nacional da vacina.
“Nenhuma vacina contra Covid hoje é feita em ovo. É muito mais barato para fazer”, afirmou Covas nesta manhã.
Na Butanvac, o vírus é inativado com produtos químicos e, como a doença de Newcastle não afeta humanos, é uma alternativa ainda mais segura do ponto de vista de efeitos colaterais.
A Coronavac, cujos estudos da fase 3 foram coordenados no Brasil pelo Butantan, utiliza o próprio Sars-CoV-2 inativado como vetor. A vacina de Oxford/AstraZeneca, que também está sendo usada no Brasil, utiliza um adenovírus causador de gripe em macacos para inserir a proteína S.
Outras vacinas usam tecnologias mais recentes, como é o caso dos fármacos da Moderna e da Pfizer, que utilizam material genético (RNA mensageiro).
A vantagem é uma alta eficácia, mas elas são menos estáveis e também não trazem a segurança que métodos usados há mais tempo conferem.
“Após o final da campanha de produção da vacina contra influenza, que termina em maio, podemos iniciar imediatamente a produção da Butanvac. Atualmente, nossa fábrica envasa a da influenza e a Coronavac. Estamos em pleno vapor”, afirma Covas. Todo ano, o instituto produz 80 milhões de doses contra a gripe.
Não foi divulgado ainda o custo do projeto até aqui, bancado pelo instituto, que prevê capacidade de 100 milhões de doses por ano. “Poder entregar mais vacinas é o que precisamos em um momento tão crítico”, disse Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantan.
A imunização vai a passos lentos no Brasil, com 8,7% da população adulta tendo recebido ao menos uma dose de alguma vacina e 2,8%, duas doses.
O desenvolvimento da Butanvac em nada altera o cronograma da Coronavac.
Já foram entregues 27,8 milhões das 46 milhões de doses previstas até 30 de abril, e o governo federal encomendou mais 54 milhões até setembro.
(Fonte: Folha de S. Paulo)