O desafio de trabalhar em meio a uma pandemia de uma doença pouco conhecida e letal tem impacto nefasto na saúde mental dos médicos da linha de frente do atendimento à covid-19. Levantamento divulgado nesta quarta-feira, 7, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) revelou que ao menos 37% dos profissionais de saúde do País relataram aumento do estresse e da sensação de medo ou pânico no enfrentamento à doença.
A elevação do nível de estresse foi apontada como principal impacto da pandemia por 22,9% dos 1,6 mil médicos que responderam à pesquisa conduzida pelo CFM em todo o Brasil. Lidar com o vírus novo e ver colegas adoecendo e morrendo também motivaram sensação de medo ou pânico para 14,6% dos profissionais ouvidos.
“Tenho 40 anos de formado e nunca vi uma situação dessas em toda a minha vida”, contou o intensivista Hermann Tiesenhauser, de 72 anos, que coordena uma equipe de onze profissionais na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, referência no atendimento à covid-19. “Estamos trabalhando de oito a doze horas por dia, todos os dias por semana, lidando com uma doença desconhecida que chegou de forma avassaladora, sob o risco de falta de medicamentos. Estamos todos estressados e no limite.”
Mas o problema não é restrito ao local de trabalho. Os médicos temem levar o vírus para casa e infectar alguém da família. E sofrem, como toda a população, com as regras do distanciamento social. O levantamento mostra que 14,5% dos profissionais relatam redução do tempo dedicado às refeições, à família e ao lazer. Há ainda problemas com a qualidade do sono (7,6%).
“Durante muito tempo trabalhamos sem estarmos vacinados; o medo de levar a doença para dentro de casa era muito grande”, contou Tiesenhauser. “É uma situação permanente de angústia, então é difícil desligar; demoramos a pegar no sono, temos insônia, pesadelos.”
Segundo a pesquisa do CFM, a pandemia fortaleceu (16%) o elo de confiança estabelecido com os pacientes e familiares. Também tornou os pacientes mais receptivos às recomendações médicas (12,6%). Além disso, foi relatado por 13,7% dos respondentes que o estresse criado pela pandemia no paciente tornou tenso seu comportamento nas consultas. De forma geral, a grande maioria dos médicos (96%) afirmou que a pandemia causou algum impacto na vida pessoal ou profissional.
A pesquisa, aplicada entre setembro e dezembro de 2020, ouviu cerca de 1,6 mil médicos cadastrados nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Os profissionais atuam nos setores público (22%), privado (24%) ou em ambos (54%). Foram selecionados indivíduos de forma aleatória com representantes em todos os estados do País.
A amostra, composta por homens e mulheres com idade média de 49 anos, respondeu a um questionário estruturado que obedeceu proporcionalmente à oferta de profissionais pelo Brasil. A maior parte atua no Sudeste (53%), Nordeste (21%) e Sul (16%). Outras 6% trabalham em unidades de saúde do Centro-Oeste e 5% no Norte do Brasil.
Pelo menos 88% dos médicos ouvidos pelo CFM acreditam no surgimento de novas epidemias nos próximos anos. E para enfrentar possíveis desafios no futuro, quase 15% deles defendem que os médicos e outros profissionais da saúde sejam valorizados com a criação de carreiras específicas. Outros 15% apostam na priorização de pesquisas científicas e desenvolvimento de tecnologias e produção de insumos estratégicos.
“A pandemia deixará para o Brasil uma lição inquestionável: precisamos estar preparados. Investir mais no Sistema Único de Saúde (SUS), ampliar a capacidade de produção nacional de medicamentos e equipamentos, fortalecer o conhecimento científico e, sobretudo, valorizar a força de trabalho que tanto se dedica a oferecer atendimento de qualidade aos brasileiros”, ressaltou Mauro Ribeiro, presidente do CFM.
(Fonte: Estadão)