Lembrar dos aniversários da família, fazer a lista de compras, saber de cor o que cada um gosta de comer, agradar. Estar atento à saúde dos amigos e da família, e convencê-los a ir ao médico. Cuidar, socorrer, pacificar, ouvir, sorrir, fazer a gestão do cotidiano, responsabilizar-se pelo bem estar de todos ao seu redor.
Estas são algumas das tarefas frequentemente assumidas exclusivamente pelas mulheres no contexto familiar, conjugal e também profissional, citadas pela repórter do jornal The Guardian, Rose Hackman, em um artigo de 2015.
No texto, Hackman esclarece como esse tipo de trabalho, chamado de trabalho emocional, sobrecarrega as mulheres.
Assim como o trabalho doméstico, consiste em atos não remunerados, pouco reconhecidos, ligados ao cuidado e ao trato com as emoções, que recaem desproporcionalmente sobre elas, educadas para crer que “levam mais jeito” para isso. Para a autora do artigo, confrontar esse desequilíbrio pode ser um próximo passo revolucionário para o feminismo.
A origem da ideia
O conceito foi criado há mais de três décadas, na academia. Foi introduzido pela socióloga americana Arlie Hochschild, no livro “The Managed Heart”, de 1983.
Apenas mais recentemente, porém, a ideia vem sendo recuperada em textos e discussões on-line, tornando-se mais difundida.
Em sua pesquisa, Hochschild tratou do trabalho emocional no ambiente profissional ou corporativo, onde há a expectativa de que o trabalhador em questão module seus sentimentos reais, privilegiando a experiência positiva de um cliente ou colega.
Inclui ser agradável, gentil, tolerante, prestativo e contribuir para a harmonia do local de trabalho.
Não à toa, funções que exigem uma grande dose desse trabalho, como a de comissária de bordo, são majoritariamente desempenhadas por mulheres. As comissárias foram um dos principais exemplos usados por Hochschild.
Professoras, advogadas e políticas, por exemplo, também são mais cobradas em relação a seus colegas homens em relação à gentileza, bom humor e disponibilidade emocional que oferecem às pessoas ao redor.
Esses esforços contínuos são exaustivos e têm efeito cumulativo já mostrado por pesquisas. Apesar disso, raramente são reconhecidos como fonte legítima de sobrecarga ou estresse, e por isso não se refletem em nenhum tipo de compensação salarial.
No estudo “Women’s Jobs, Men’s Jobs: Sex Segregation and Emotional Labor”, de 2004, as pesquisadoras Mary Ellen Guy e Meredith Newman argumentam que o trabalho emocional contribui para o aprofundamento da desigualdade salarial.
Segundo o artigo, o trabalho emocional faz parte do trabalho de homens e de mulheres – são atitudes que “azeitam as engrenagens”, fazendo com que as pessoas cooperem, trabalhem bem juntas e se atenham às suas tarefas.
A pesquisa aponta que essas competências, no entanto, estão ausentes de descrições de empregos, avaliações e do cálculo dos salários. São o alicerce de profissões das áreas de saúde, saúde pública, educação e de funções como recepcionista, secretária e assistente administrativa.
Elas empregam um número maior de mulheres, consideradas naturalmente aptas a agir segundo essas competências emocionais.
“A segregação ocupacional – a tendência de que homens e mulheres trabalhem em ocupações diferentes – é citada com frequência como razão para a defasagem no salário das mulheres em relação aos homens”, diz o parágrafo que introduz o estudo.
“Mas [esse argumento] impõe a questão: o que na ocupação das mulheres faz com que elas recebam menos?”, prosseguem as pesquisadoras. “Argumentamos que o trabalho emocional é o elo que falta para a explicação.”
Na vida privada
A propensão de mulheres a assumirem esse trabalho extra está longe de ser natural.
Um artigo acadêmico importante da socióloga Rebecca Erickson, publicado em 2005, ligou a realização do trabalho emocional à construção do gênero, à posição que elas têm ocupado na família e nos círculos de amigos – administrar emoções é algo esperado das mulheres, e que elas se acostumam desde cedo a fazer.
Essa função não é só de meio período, ou está restrita a apenas uma esfera da vida das mulheres. Transborda para suas relações afetivas e íntimas, para os relacionamentos amorosos e relações sexuais.
Mesmo fingir um orgasmo pode ser visto como uma expressão desse gerenciamento da autoestima e do bem estar alheio, segundo o artigo de Rose Hackman no Guardian.
Em um artigo de 2015, publicado no extinto site The Toast (mas que pode, ainda, ser acessado pelo Internet Archive), a repórter Jess Zimmerman aplica o termo a uma vasta gama de trabalhos não reconhecidos.
Em casa, para Zimmerman, o trabalho emocional das mulheres cobre todos os aspectos da relação conjugal.
Resgatando a ideia da acadêmica e ativista feminista italiana Silvia Federici, de que o trabalho doméstico foi transformado em um atributo natural da personalidade feminina, uma aspiração e até uma necessidade interna de seu caráter, a autora argumenta que o mesmo teria ocorrido com o trabalho emocional, ao se rotular as mulheres como mais intuitivas, empáticas, naturalmente mais dispostas a ajudar ou dar conselhos.
“Em nossa sociedade, atribuímos um gênero às emoções quando continuamos a reforçar a falsa ideia que mulheres sempre, natural e biologicamente, conseguem sentir, expressar e lidar com as emoções melhor do que os homens”, disse Lisa Huebner, socióloga e professora da Universidade West Chester da Pensilvânia, nos EUA, a uma reportagem de 2017 da revista Harper’s Bazaar.
Para Huebner, negar essa habilidade inata não quer dizer que alguns indivíduos lidem melhor do que outros, pessoalmente, com as emoções.
Mas, segundo ela, “ainda não temos evidência concreta de que essa habilidade é determinada biologicamente pelo sexo. Ao mesmo tempo, encontramos diversas maneiras pelas quais a sociedade garante que meninas e mulheres sejam responsáveis pelas emoções, para então os homens serem liberados [dessa tarefa]”.
(Fonte: Nexo Jornal)