Em uma mesa de almoço com sete policiais, três possuem problemas psicológicos decorrentes da profissão. “Os problemas são dos mais diversos. Eu possuo síndrome do pânico, um deles sofre de depressão e, inclusive, trabalha sob efeito de muito medicamento”, relata o policial rodoviário Fábio*, 47.
As consequências da falta de um trabalho preventivo e acompanhamento psicológico dentro das corporações indicam números preocupantes. Um estudo realizado pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção com foco no suicídio policial no Brasil consultou 18.007 policiais militares em 2015. Destes, 650 tentaram suicídio e 3.225 policiais cogitaram o autocídio, quando o carro é utilizado como instrumento para o provocar a própria morte.
O número estimado de policiais militares no Brasil é de 410 mil. Os dados publicados ainda indicam que 43,8% daqueles que tentaram suicídio não contaram a ninguém sobre esse desejo.
O acesso a armas de fogo pode ser um fator facilitador, pois entre homens e mulheres, 87,6% cometeram suicídio com o uso de tais artifícios. Os números indicam um quadro de alerta, provando a importância do acompanhamento psicológico dentro da carreira policial.
Para o responsável técnico do Programa com as Forças Policiais e de Segurança no Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Paulo Roberto Batista de Oliveira, as ações preventivas tardam. “O que o Comitê percebe em algumas instituições com as quais trabalhamos é que isso [trabalho e acompanhamento psico-social] ocorre no último momento, no momento em que o policial tem que ser afastado para uma internação”, explica. “Não convém que isso ocorra porque ninguém vai ficar afetado em um primeiro momento, essa situação de desconforto vai crescendo até que se rompe, e normalmente isso pode se romper em um momento de operação.”
Paulo, que também possui a farda de coronel da Reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, acredita que a solução para as estatísticas preocupantes é a prevenção. “As polícias precisam estar preparadas para lidar com isso dentro do seu apoio psicossocial. Elas precisam ter um trabalho, uma estrutura, e precisam trabalhar não só com psicólogos, mas com psiquiatras também.”
Para o especialista, existe uma visão preconceituosa de que ao ser afastado da operação, o policial deve seguir para o serviço burocrático. Entre as alternativas está a transferência de áreas, como para o policiamento rodoviário ou proteção ambiental. “O policial vai realizar uma outra atividade operacional que não seja aquela pela qual ele está sofrendo situações que o estão abalando psicologicamente”, completa.
O sargento da Polícia Militar Miguel Mendes, 61, conta que a pressão que um policial sofre vem logo cedo, porque nunca se sabe o que pode acontecer, o que ele irá fazer ou que horas voltará para a casa. “Com o passar do tempo, ele aprende a lidar com situações diversas que aparecem”, aponta, explicando que, quando um PM precisa de ajuda psicológica, existe um órgão na Polícia Militar com psicólogos que estão sempre atuando para o bem-estar do agente. “Hoje até faz parte da vida do policial ser encaminhado para uma consulta quando ele se envolve em ocorrência envolvendo tiros, por exemplo. Antes de 1995 ou 1996 não havia esse apoio, mas, mesmo assim, até hoje ninguém quer ir no setor. O PM quer trabalhar normalmente”, completa.
Apesar dos indicadores pertencerem à Polícia Militar, os casos de problemas psicológicos desencadeados por consequência da profissão não se restringem a ela. Fábio, citado no início da reportagem, aponta para o mais grave: “Não temos esse apoio, inclusive almocei com a chefia na segunda-feira passada e discutimos sobre a necessidade de uma avaliação. Tem muita gente com problemas e ninguém se preocupa”. Para o policial, caso não haja uma avaliação e acompanhamento, a tendência é piorar. Ele menciona que alguns policiais fazem terapia por conta própria, como é seu caso. “Porém não há um acompanhamento preventivo. Fui procurar [tratamento] depois que a situação já estava complicada.”
(Fonte: VICE Brasil)