A Polícia Federal (PF) indiciou, na noite desta quinta-feira (19), sete funcionários da mineradora Vale e seis membros da consultora TÜV SÜD pelo crime de falsidade ideológica e uso de documentos falsos envolvendo a tragédia de Brumadinho. As duas empresas também foram indiciadas. Nenhum dos funcionários da Vale indiciados pertence à cúpula da mineradora.
O rompimento da barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, ocorreu em 25 de janeiro deste ano. Quase oito meses após a tragédia, 21 pessoas continuam desaparecidas e o total de mortos identificados chega a 249.
O relatório também pede medida cautelar contra os indiciados, proibindo os 13 funcionários de prestarem consultorias ou novos trabalhos nessa área. A PF não considera prender, neste momento, os indiciados.
De acordo com o delegado de meio ambiente da PF Luiz Augusto Pessoa Nogueira, dois estudos indicaram que a barragem tinha problemas e que os indiciados tinham conhecimento sobre isso.
Além disso, o valor do bônus pago a estes funcionários da Vale era calculado também considerando o nível de segurança das barragens. Então, quanto menor o nível de segurança, menor o bônus.
Ele explicou que nenhum diretor da Vale foi indiciado neste momento porque esta investigação é muito técnica. Mas isso não significa que a cúpula da mineradora não seja investigada por outros crimes.
Da Vale
- Alexandre Campanha (gerente-executivo de Governança de Geotecnia Corporativa)
- Marilene Lopes (gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas)
- Felipe Rocha (engenheiro ligado à Gestão de Riscos Geotécnicos)
- Washington Pirete (engenheiro)
- César Grandchamp (geólogo)
- Cristina Malheiros (engenheira)
- Andréa Dornas (engenheira)
Da TÜV SÜD
- Chris-Peter Meier (Diretor de Desenvolvimento de Negócios e gerente de Negócios de Infraestrutura da Tüv Süd, na Alemanha)
- Makoto Namba (coordenador de Projetos)
- André Yassuda (consultor de geotecnia)
- Arsenio Negro Jr. (consultor e dirigente da empresa)
- Marlísio Cecílio (engenheiro geotécnico sênior)
- Ana Paula Ruiz Toledo (engenheira geotécnica sênior)
A TÜV SÜD disse que a empresa não comentará sobre os indiciamentos.
Por nota, a Vale informa que tomou conhecimento dos resultados do primeiro inquérito policial nesta sexta-feira (20). A mineradora disse que “detalhadamente o inteiro teor do relatório policial antes de qualquer manifestação de mérito, ressaltando apenas que a empresa e seus executivos continuarão contribuindo com as autoridades e responderão às acusações no momento e ambiente oportunos”.
PF pode fazer novos indiciamentos
O indiciamento dos funcionários da Vale e da TÜV SÜD resulta da primeira parte das investigações da Polícia Federal sobre o caso, que também é investigado pela Polícia Civil do estado.
A PF ainda deverá fazer novos indiciamentos, mas, no momento, aguarda a conclusão de perícias criminais sobre os crimes ambientais e os de homicídio.
A expectativa é que os estudos indiquem um possível “gatilho” do rompimento da estrutura da barragem e, assim, fique possível determinar a responsabilidade individualizada nessas tipificações criminais.
Falsificação de documentos
Nesta primeira etapa das investigações, a PF focou no crime que envolve falsificação de documentos.
A falsidade ideológica ocorreu, segundo a PF, quando funcionários das duas empresas celebraram contratos utilizando informações falsas contidas nos documentos de Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), feitos em três momentos de 2018: a primeira em junho e as outras duas em setembro.
Esses documentos permitiram que a barragem seguisse funcionando normalmente mesmo com critérios de segurança abaixo dos recomendados pela própria mineradora e por padrões internacionais.
Já a imputação por documentos falsos se dá por dois registros de declarações de estabilidade — documentos que indicavam que a barragem estava em boas condições de funcionamento — junto a entidades governamentais, em 2017. Ao todo, a pena pode chegar a 18 anos de cadeia para os indiciados.
Entenda os motivos dos indiciamentos
TÜV SÜD
- Makoto Namba – analista sênior da empresa e o técnico que assinou as duas declarações de estabilidade da barragem B1 de setembro de 2018.
- Marlísio Cecílio – analista técnico que liderou os estudos e trabalhos que resultaram no relatório de revisão de segurança de barragem. É o documento mais importante, assinado em junho de 2018. Atualmente, está na Austrália fazendo um doutorado.
- Arsênio Negro Jr. – era um consultor contratado pela TüV SÜD mas a PF verificou que ele era mais do que um simples consultor. Ele estava sempre nas mensagens da empresa e participava de todas as conversações, dava sugestões importantes e foi ele que conversou com Cris-Peter Meier (diretor na Alemanha) para que a empresa decidisse emitir o laudo de estabilidade.
- Ana Paula Ruiz – consultora especializada em liquefação de barragens. Ajudou o Marlísio e foi ela, em setembro, que liderou a inspeção regular de barragem.
- André Yassuda – analista sênior e o técnico que assinou e atestou a primeira declaração de estabilidade para a B1 em junho de 2018. Ele participava das discussões e do resultado final dos estudos que foram feitos pelo Makoto, pelo Marlísio, pela Ana Paula e pelo Arsênio.
- Chris-Peter Meier – executivo da sede da empresa na Alemanha e foi a pessoa que foi consultada pelo Arsênio para autorizar que eles emitissem a declaração de estabilidade. A confirmação da participação dele foi feita baseada em depoimentos de funcionários da TÜV SÜD e em documentação. Ele não foi ouvido pela PF. Ele mora da Alemanha e, intimado, não quis vir ao Brasil.
Vale
- Alexandre Campanha – foi citado por funcionários da TÜV SÜD durante oitivas na PF por supostamente pressionar a consultora a liberar a estabilidade da barragem. Ele participou de painéis internacionais de especialista para atestamento de segurança da barragem e tinha todo o conhecimento de qual o fator de risco adequado mínimo para barragens. Mesmo assim, aceitou o fato de 1,09 de segurança, quando o índice mínimo é de 1,3.
- Marilene Lopes – era um dos principais nomes do setor de Gestão de Riscos Geotécnicos (GRG), sistema responsável por gerir dados de barragens; ela também fazia contatos com a TÜV SÜD sobre a situação de barragem B1. Respondia diretamente a Alexandre Campanha.
- Felipe Rocha – assessor técnico da Marilene Lopes e foi responsável pela apresentação dos dados do GRG sobre a situação das barragens em mais de um painel realizado pela Vale nos anos de 2017 e 2018.
- Washington Pirete – participou de debates internos da Vale onde eram discutidas as situações das barragens e também atuava junto às empresas auditoras.
- César Grandchamp – funcionário da mineradora há décadas, era o responsável por assinar pela Vale as documentações que atestavam a qualidade e estabilidade da barragem I de Brumadinho.
- Cristina Malheiros – atuava no monitoramento da barragem I de Córrego do Feijão e assinava a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) da estrutura.
- Andréa Dornas – trabalhava desde a década de 90 na Vale e também tinha conhecimento sobre a situação da segurança de B1. Manteve conversas com Cristina Malheiros sobre os índices da barragem abaixo dos recomendados internacionalmente.
CPI também pediu 13 indiciamentos
Nesta terça-feira (17), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) entregou relatório que também pede o indiciamento de 13 pessoas das duas empresas.
Entre os nomes estão o então diretor-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, diretores, gerentes, uma engenheira e um geólogo da mineradora, além de dois engenheiros da TÜV SÜD.
Indenização de R$ 12 milhões
A Vale já foi condenada a pagar indenização de quase R$ 12 milhões a duas famílias de São Paulo que perderam os filhos e o neto no rompimento da barragem de Brumadinho. Da decisão cabe recurso.
A sentença foi dada em favor das famílias dos irmãos Luiz Taliberti Ribeiro da Silva, de 31 anos, e Camila Taliberti da Silva, de 33 anos, e ainda de Fernanda Damian de Almeida, de 30 anos, que era casada com Luiz e esperava o primeiro filho do casal.
Luiz, Fernanda e Camila passeavam em Brumadinho de férias em companhia do pai, Adriano Ribeiro da Silva, de 61 anos, e da mulher dele, Maria de Lourdes da Costa Bueno, de 59 anos. Os dois também morreram na tragédia. O processo sobre as duas mortes corre em separado e não há sentença ainda. Por nota, a Vale informou que ainda não foi intimada da decisão.
(Fonte: G1)